Em uma tarde apreensiva, eu a vi, mas não me doei de imediato e nem desejei leva-la comigo. Ela, por sua vez, entregou-se no mesmo instante. Entregou-se com sua alminha canina, com seu charme calado, o olhar órfão pedindo que fosse amada. Claro que assim o amor surgiu: repousado no colo, florescente e solidificado.
E, ao longo dos anos, cada vez que a solidão se aproximava, ela me fitava com seus olhinhos de brisa e me trazia sentido. E sabedoria.
Quase oito anos após o primeiro encontro, eis que o mundo dela, repentinamente ficou preto. Ou branco como névoa, sem sei. E, apesar de sua tentativa saudável de se adaptar à escuridão ser bastante eficaz, eu ainda me flagro tentando enxergar os caminhos em seu lugar.
E asseguro a ela que o que vejo, a maior parte das vezes, é bonito demais: tem verde, tem poesia desfilando no ar, tem ventos de crianças se espalhando a nosso redor. Mas os dias podem também terminar em tardes bucólicas, de ar parado e pouca fronteira. Ainda assim, podemos reinventá-lo e torna-la parte disso.
Digo a ela que as noites são longas e tão reais quanto os dias, com emoções que não se extinguem quando finda a luz.
Muitas vezes nuvens imensas pairam no céu e uma tempestade elétrica dá vazão aos medos mais empoeirados em quem contempla o espetáculo. Mas ela não pode ver, não há o que temer, então, eu me amedronto em seu posto.
E lá estão seus olhinhos algo confusos em espera, à beira da porta ou rente ao portão. Ela não nota, mas meu coração cheio de pesar e, no entanto, um pouco povoadinho de esperança, conforta-se. Ela não sabe, mas posso, enfim, viver um dia por vez.