“A poesia não se entrega a quem a define.”
(Mario Quintana)
Defina. Era esse seu imperativo constante.
Antes de se expor, com o intuito de saber exatamente de que era feito o piso onde acabara de sopear, ela lançava o pedido da definição.
– Eu te amo – dizia alguém próximo.
Defina ‘amor’.
– Fiquei um pouco chateado com você.
Defina ‘chateado’.
– Não sei se gosto desses planos.
Defina ‘não saber’.
– Você tem que ler esse livro. Ele é impressionante!
Defina ‘impressionante’.
Era serviçal do definir. Às vezes recebia a explicação esperada e se contentava até a próxima brecha, mas costume era ignorarem, mudarem de assunto, encararem seus modos maçantes como um convite a deixá-la sozinha.
Mas era interesse genuíno por quem estivesse ao seu redor. Pedia que descrevessem suas metas, sonhos, vontades; que definissem suas histórias em algumas frases, seus medos, que descrevessem a si mesmos. E quem não gosta de falar de si, quem não quer dividir seus sonhos, quem não precisa contar suas histórias? E ela os ouviria.
Até que se apaixonou. E se fixou naquela vida ao lado da sua, que parecia interminável e parte de si; que parecia sua e, ao mesmo tempo, proclamava ser conquistada todos os dias. E esqueceu de pensar na interpretação das coisas, pois começou a viver o significado das coisas.
Naquele final de tarde, ela foi, no entanto, testada:
– Descreva o que você enxerga em meus olhos – ele pediu, com uma pitada de zombaria.
Ele pedia da forma mais escancarada que ela retratasse o indefinível, como quem imortaliza um momento que não tem e nem terá nome, instante em que se perde e se esquece de retornar.
Quero seus olhos em espera, despidos e abertos diante dos meus, quero seu olhar inteiro em mim, rasgando a pele por onde passa…quero seus olhos me empurrando com seu ímpeto inegável e estarei disposta a mergulhar nesse abismo…em queda livre.
A poesia súbita não surgiu. Riu da tentativa de improviso, mas não progrediu. Ficou a olhar e olhar até o sol se esconder da sua janela e a brisa que a noite trouxe alarmar a hora da separação.
Não articulou seu lirismo, nem pela boca, nem em papel, pois lábios se colaram e outras definições silenciosas se instituíram. Entre um beijo e outro, murmúrios acanhados se ouviram.
– Ah, eu não sei, eu não sei…